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Achei interessante a autora não ter mencionado uma forma aprentemente óbvia da indústria saber se o médico merece a comissão ou não: checar quais remédios foram prescritos pelo médico, e se o paciente comprou o de marca ou o genérico. Quando o paciente vai na farmácia comprar o remédio prescrito, a receita fica retida, com a identificação do médico e do paciente. É muito fácil então a farmacêutica que está patrocinando o médico conferir se ele está receitando o medicamento que ela queria que ele prescrevesse, e se está conseguindo persuadir os pacientes (bocós) de que o remédio de marca é melhor que o genérico. O preço que se paga a mais no remédio de marca é repartido entre a farmacêutica e o médico, daí a tal comissão.
Art. 6º Parágrafo único. É atribuição exclusiva do Ministério da Saúde o registro e a permissão do uso dos medicamentos, bem como a aprovação ou exigência de modificação dos seus componentes.
A evidência confirma o que o raciocínio fortemente sugere: não é por acidente que a FDA, a despeito das melhores intenções, atua para desencorajar o desenvolvimento e impedir a comercialização de medicamentos novos e potencialmente úteis.
Coloque-se na posição de um funcionário da FDA encarregado de aprovar ou rejeitar um novo medicamento. Você pode cometer dois erros muito diferentes:
- Aprovar um medicamento que, no fim, revela ter efeitos colaterais inesperados, que resultam na morte ou invalidez grave de um grande número de pacientes.
- Recusar aprovação a um medicamento que é capaz de salvar numerosas vidas e aliviar grande sofrimento e que não tem efeitos colaterais inconvenientes.
Se comete o primeiro erro — aprova a talidomida — seu nome vai aparecer nas manchetes da primeira página de todos os jornais. Cairá em profunda desgraça. Se comete o segundo, quem é que vai saber? A empresa farmacêutica que promove o novo medicamento é que será consagrada como exemplo de gananciosos homens de negócios, com corações de pedra, e uns poucos e desapontados químicos e médicos que estiveram envolvidos no desenvolvimento e nos testes do produto. As pessoas cujas vidas poderiam ter sido salvas não estarão por perto para protestar. Suas famílias não terão meios de saber que essas pessoas amadas perderam a vida devido à “cautela” de um desconhecido funcionário da FDA.
Em vista do contraste entre os insultos despejados sobre as companhias farmacêuticas européias que venderam a talidomida e a fama e aclamação que cobriram a mulher que impediu a aprovação da talidomida nos Estados Unidos (a Dra. Frances O. Kelsey, que recebeu a Medalha de Ouro de Serviços Distintos do Governo, concedida pelo presidente John F. Kennedy), há alguma dúvida sobre qual erro você ficará mais ansioso por evitar? Mesmo com a melhor boa vontade do mundo, você ou eu, se estivéssemos naquela posição, seríamos levados a rejeitar ou adiar a aprovação de numerosos medicamentos a fim de evitar até mesmo a possibilidade remota de licenciar um remédio que possa ter efeitos colaterais importantes.
Essa tendência inevitável é reforçada pela reação da indústria farmacêutica. A tendência gera padrões injustificavelmente rigorosos. Obter aprovação torna-se mais dispendioso, mais consumidor de tempo, e mais arriscado. Fica menos lucrativa a pesquisa de novos medicamentos. As companhias têm menos a temer dos trabalhos de pesquisa de seus concorrentes. Empresas e remédios existentes são protegidos contra a concorrência. Desencorajam-se novos ligo nesse campo de atividade. A pesquisa eventualmente feita Wim mnitrnr-se-á nas menos controversas, o que significa menos inoduro de novas possibilidades.
Quando um de nós sugeriu numa coluna de Newsweek (8 de janeiro de 1973) que, por esses motivos, a FDA devia ser abolida, a opinião provocou o envio de cartas de pessoas que realizam trabalho farmacêutico, contando histórias trágicas que confirmavam a alegação de que a FDA está frustrando o desenvolvimento de novos medicamentos. Mas a maioria dizia também algo como o seguinte:
Em contraste com sua opinião, não acredito que a FDA deva ser abolida, mas, de fato, acredito que seu poder deva ser mudado desta ou daquela maneira.Numa coluna subsequente, intitulada Gatos que Ladram (19 de fevereiro de 1973), replicamos:
O que é que vocês pensariam de alguém que dissesse: “Eu gostaria de ter um gato, contanto que ele ladrasse"? Todavia, sua afirmação de que é a favor de uma FDA, contanto que ela se comporte como você julga desejável é precisamente equivalente a isso. As leis biológicas que especificam as características dos gatos não são mais rígidas do que as leis políticas que especificam o comportamento de órgãos governamentais, uma vez criados. O modo como a FDA hoje se comporta, e as más consequências disso, não constituem um acidente, não são resultado de erro humano facilmente sanável, mas consequência de sua constituição, precisamente na mesma maneira que um miado se relaciona com a constituição de um gato. Como cientista natural você reconhece que não pode atribuir à vontade características a entidades químicas e biológicas, que não pode exigir que gatos ladrem ou que a água queime. Por que, então, supõe que a situação é diferente nas ciências sociais?É geral o erro de supor que o comportamento de organismos sociais pode ser modelado à vontade. É o erro fundamental da maioria dos supostos reformadores. Explica por que eles, com tanta frequência, acham que a falha está no homem, não no “Sistema”, que a maneira de solucionar problemas é
botar os patifes para forae colocar no seu lugar gente bem-intencionada. Explica por que suas reformas, quando ostensivamente realizadas, amiúde se desencaminham.O mal feito pela FDA não resulta de defeitos dos que a dirigem — a menos que seja defeito ser humano. Muitos foram servidores civis capazes e dedicados. Contudo, as pressões sociais, políticas e econômicas condicionam o comportamento das pessoas que supostamente dirigem um órgão público, isto em um grau muito maior do que determinam o comportamento do órgão. Sem dúvida há exceções, mas elas são raras — quase tão raras como gatos que ladram.
Isso não significa que é impossível a reforma efetiva, mas que se deve levar em conta as leis políticas que pautam o comportamento dos órgãos públicos, e não simplesmente vituperar seus servidores por ineficiência e desperdício ou questionar-lhes os motivos e exigir que trabalhem melhor. A FDA fez muito menos mal antes do que agora que as emendas Keufauver alteraram as pressões e incentivos dos servidores públicos.
Ao longo da década de 2000, a disputa entre os cartéis mexicanos por rotas de drogas para os EUA se acirrou. Os traficantes colombianos passaram então a diversificar suas rotas de distribuição na América do Sul, para fazer sua cocaína chegar à Europa. A passagem -- e o consumo -- de derivados de coca aumentou em todo o continente, inclusive no Uruguai. [...] Daí surgiram os "ajustes de cuentas", com execuções à luz do dia. A novidade assusta os pacatos uruguaios, que antes só viam coisas assim nos jornais brasileiros. [...] Em vários aspectos, o fenômeno é parecido com o que aconteceu em cidades como Rio de Janeiro e São Paulo nos anos 80 e 90, quando surgiram fações como Comando Vermelho e Primeiro Comando da Capital, respectivamente.
[...]
A [legalização da maconha no Uruguai] começou a tomar forma no primeiro semestre de 2012, no meio de uma onda inédita de violência: várias execuções ligadas a disputas por pontos de venda de drogas ou a dívidas entre traficantes aconteceram em Montevidéu. De janeiro a abril, o número de assassinatos aumentou 60% em relação ao mesmo período do ano anterior. O motivo mais comum eram os "ajustes de cuentas" (29%). Apesar de o país ter o segundo menor índice de homicídios do continente -- só perde para o Chile --, os casos criavam uma sensação de insegurança generalizada.
O governo tinha que tomar uma atitude, mas ninguém esperava tanta ousadia: o presidente José "Pepe" Mujica convocou uma coletiva de imprensa e anunciou, entre outras medidas, que o Poder Executivo encaminharia ao Congresso um projeto para regulamentar a maconha e diminuir o poder do tráfico, que tem na cannabis sua principal fonte de receita. A ideia surgiu numa longa reunião de Mujica com seus ministros mais próximos. A primeira pessoa a pronunciá-la foi o ministro da Defesa, Eleutério Fernandéz Huidobro. E convenceu todos os presentes.
[...]
Enfraquecer os traficantes é um objetivo básico da lei, mas ela também pretende reduzir os danos associados ao consumo. Por exemplo, separando os mercados de erva e pasta base, muito mais viciante e perigosa. "Hoje o sujeito vai à boca comprar maconha, o traficante lhe diz que não tem, mesmo quando tem, e lhe oferece pasta. Vamos acabar com isso", diz o coordenador de prevenção da Junta Nacional de Drogas, Augusto Vitale.
As ONGs, como o próprio nome diz, foram criadas para agrupar setores sociais interessados na defesa de determinadas causas, independentes da ingerência de políticas de Estado ou de eventuais recursos provenientes de instituições privadas. É o chamado terceiro setor. Mas o grau de autonomia e independência desejados nem sempre ocorrem. Vejamos o caso brasileiro.
Os diversos tipos de ONGs existentes no Brasil (ambientalistas-ecologistas, de assistência social, filantrópicas, de estudos e pesquisas, etc.) receberam, em 1996, repasses de recursos públicos e de agências externas da ordem de US$ 2,2 bilhões; cerca de 60% desse montante foi destinado às áreas de meio ambiente e assistência social. Somente para um projeto piloto de proteção às florestas tropicais houve um repasse de US$ 22 milhões a ONGs. A própria Associação Brasileira de ONGs demonstra que cerca de 70% das entidades filiadas têm algum tipo de parceria com órgãos públicos.
A legislação brasileira permite que muitas empresas lucrativas obtenham a denominação de entidades de "utilidade pública", usufruindo benefícios fiscais e previdenciários, existindo também entidades criadas apenas para receber recursos. Inexistem, contudo, mecanismos para controlar o uso e a aplicação de verbas e exigir a obrigatoriedade de prestação de contas. A tendência é que as grandes entidades, mais estruturadas e articuladas, recebem os volumes mais expressivos. Muitos de seus integrantes passam até mesmo a integrar os quadros técnicos ou administrativos públicos. Este contexto pode cercear uma ação autônoma dos movimentos e organizações.
Já nos Estados Unidos, cerca de 51% da população adulta trabalha de forma voluntária em entidades sem fins lucrativos. Estas são responsáveis por 6% da economia do país e 9% do total de empregos. Existe desde 1912 um serviço de controle das finanças e do grau de confiabilidade de centenas de organizações, a Better Business Bureau. Trata-se de uma experiência significativa, já que a entidade publica os resultados de seu trabalho periodicamente, auxiliando doadores e financiadores a selecionar quem recebe recursos.
Além dos laços financeiros diretos, as farmacêuticas têm outras maneiras de influenciar as decisões. Uma delas é pagar pela formação de grupos de defesa de pacientes para pressionar pela aprovação de medicamentos. Nesse sentido, um banco de dados estabelecido pela Kaiser Health News descobriu que, em 2015, catorze empresas farmacêuticas doaram coletivamente 116 milhões de dólares para 594 desses grupos.49 [...].
Meu exemplo favorito é a liberação pela FDA, em 2015, da flibanserina — o “Viagra feminino” —, comercializada como tratamento de “transtorno do desejo sexual hipoativo generalizado adquirido em mulheres na pré-menopausa”, que os críticos acreditam ser uma doença. Com base nos benefícios mínimos do medicamento e nos riscos bem documentados, os comitês da FDA rejeitaram o produto duas vezes. Na terceira, porém, o fabricante, Sprout Pharmaceuticals, organizou um grupo de fachada chamado Even the Score e o posicionou como organização feminista em defesa do direito de as mulheres tomarem aquele medicamento. O comitê consultivo, então, votou pela aprovação baseado no argumento supostamente independente do grupo. Outro exemplo dessa captura corporativa é que, apesar de mencionar os perigos do medicamento, exigir uma etiqueta de advertência na caixa do produto e três estudos adicionais, a FDA aceitou a decisão do comitê. O The Washington Post atribuiu a decisão à “campanha inteligente e agressiva de relações públicas da Sprout” e a classificou como uma má notícia “para a aprovação racional de medicamentos”.51
Uma mudança climática foi responsável pelo declínio das antigas megacidades do vale do Rio Indo, entre [o Afeganistão] o Paquistão e a Índia, segundo cientistas britânicos e indianos que anunciaram a pesquisa na revista [científica] Geology de fevereiro [de 2014]. Ao examinar cascas de caracóis depositadas no leito de um lago seco próximo ao limite oriental da bacia do Indo, os pesquisadores descobriram que uma série de fortes secas afetou a região durante 200 anos, entre 2100 a.C. e 1900 a.C. Cidades como Harappa e Mohenjo-daro, com cinco séculos de história e mais de 100 mil habitantes [somando-se as duas cidades], não resistiram às transformações e entraram em colapso.
Colonizamos o futuro. Tratamos o futuro como um posto avançado colonial distante, desprovido de pessoas, onde podemos despejar livremente degradação ecológica, risco tecnológico e lixo nuclear, e que podemos saquear à vontade. Quando a Grã-Bretanha colonizou a Austrália nos séculos 18 e 19, ela se valeu de uma doutrina legal hoje conhecida como terra nullius — terra de ninguém — para justificar sua conquista e tratar a população nativa como se ela não existisse ou tivesse quaisquer direitos sobre a terra. Hoje nossa atitude social é de tempus nullius: o futuro é visto como “tempo de ninguém”, um território não reivindicado que é similarmente desprovido de habitantes e que está à disposição, como os domínios distantes de um império. Assim como os nativos australianos ainda lutam contra o legado de terra nullius, há também uma luta a ser travada contra o tempus nullius.
A tragédia é que as gerações ainda não nascidas nada podem fazer com relação a essa pilhagem colonialista de seu futuro. Elas não podem se jogar na frente do cavalo do rei como uma sufragista, bloquear uma ponte no Alabama como um defensor dos direitos civis ou empreender uma Marcha do Sal para desafiar seus opressores coloniais como fez Mahatma Gandhi. Não possuem nenhum direito político ou representação, não têm nenhuma influência nas urnas ou no mercado. A grande maioria silenciosa das futuras gerações fica impotente e é apagada de nossa mente.